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Diversidade e Representatividade na Computação

By Daniela Favero4 min read

Menos de 20% dos diplomas em ciência da computação e engenharia vão para mulheres. Ouço essa estatística desde que escolhi meu curso na faculdade. Quando cheguei pela primeira vez na sala de aula no Instituto de Matemática e Estatística da USP em 2018, a realidade era mais assustadora ainda: dos 60 calouros da ciência da computação, só 6 eram mulheres. A proporção incômoda levanta consigo a pergunta: por que as mulheres não estão escolhendo cursar computação?

Retrato (pintura) de Ada Lovelace. Ada Lovelace, matemática considerada mãe da ciência da computação

Mulheres como cuidadoras emotivas, homens como seres lógicos

A explicação para a escassez feminina na computação pode recair na simplicidade de que as mulheres não querem estar ali, afinal a escolha de uma carreira parece quase que 100% dependente da estudante. Mas sabemos que nenhuma decisão depende apenas do indivíduo. Pais, professores, colegas… Todos, de alguma forma, acabam reforçando a ideia de que essa é uma área feita para homens.

Desde muito cedo, as meninas aprendem com os exemplos de dentro de casa e da mídia: a mulher é cuidadora nata, com alta sensibilidade, perfeita para exercer funções mais humanas e comunicativas ou de saúde pública (isso quando o estereótipo já não delega à mulher apenas a função de mãe e dona de casa). Já os meninos entendem que homens são seres racionais e altamente capazes de tomar decisões importantes por meio de análises numéricas, sem emoções no caminho.

Os papéis de gênero já começam a ser exercitados com brincadeiras de criança: meninas brincam de boneca e de casinha, meninos brincam de blocos de montar e de videogame. E é fácil culpar uma menina por escolher a boneca em vez de um Playstation, afinal, foi o que ela escolheu e insistiu persistentemente para ganhar de aniversário. Mas é muito difícil escapar desses estereótipos desde pequena, sempre há estranhamento e desaprovação das amigas da escola e dos pais. Há uma expectativa sendo colocada até mesmo no ócio das garotas desde que são muito novas.

O estereótipo de nerd genial

Quatro homens com laptops e uma mulher com uma revista sentados em um sofá. Os homens vestem roupas de super-heróis e têm uma decoração com muitos livros, pôsteres, equações matemáticas e ferramentas científicas. Personagens da série de televisão The Big Bang Theory que retratam muito bem o estereótipo de nerd genial

Para além disso, a ciência da computação carrega consigo um estereótipo muito explorado na mídia: o de “nerd genial”. O cara que vive de código, isolado, obcecado por tecnologia, que não se mistura. É uma imagem que até funciona para alguns, mas que exclui muitos outros, e quase sempre exclui as mulheres. Frequentemente, mulheres precisam vestir roupas (figurativamente e literalmente!) e inclinar seus gostos pessoais para aquilo que se encaixa na expectativa social do que é um programador.

E se uma mulher não é capaz de fazer isso, é muito fácil desenvolver síndrome do impostor. Quem não se encaixa acha que não é bom o suficiente. Nas palavras de uma graduanda em ciência da computação na universidade Carnegie Mellon, “Oh meu Deus, isso não é pra mim. (…) Eu não sonho em código como eles sonham”. E quando quase não há mulheres no ambiente, a sensação de não-pertencimento só aumenta. Quem entra precisa carregar o peso de provar o tempo inteiro que merece estar ali. Isso desgasta.

Na minha experiência pessoal, vi muitas mulheres assumindo papéis para além de suas zonas de conforto para reforçar sua existência no IME-USP. Algumas batalham para serem ouvidas em trabalhos em grupo, outras assumem uma postura mais grosseira para repelir qualquer desrespeito. Mas a maioria segue em silêncio, existindo, mas ainda com uma persistente impressão de que não deveria estar ali.

O choque na faculdade é grande, mas por que a maioria das mulheres nem está chegando ali? A realidade é que no ensino médio, meninas já carregam a sensação de que não têm “o dom” ou “a genialidade” necessários para seguir na computação. É justamente nessa fase que a escolha da carreira acontece. Se elas não encontram referências diferentes, se não enxergam que a área pode ser múltipla, criativa, colaborativa, elas simplesmente não entram. E o ciclo se repete: menos mulheres na área, mais força ganha o estereótipo, menos meninas se enxergam ali.

Por isso acho tão potente a ideia de diversificar os estereótipos. Não precisamos eliminar o nerd apaixonado por código, mas precisamos mostrar outras formas de existir dentro da computação. Cientistas criativos, colaborativos, engajados socialmente. Esse leque mais amplo pode fazer diferença. Prova disso: universidades como Carnegie Mellon e Harvey Mudd aumentaram de 10% para 40% a participação feminina em cinco anos ao mudar a forma de apresentar a área. Ou seja, mudar a imagem funciona.

Ada Lovelace e tantas outras

E quando olho para a história, a coisa fica ainda mais clara. A computação não nasceu masculina. Muito pelo contrário. Lá atrás, quando computadores eram usados para cálculos e tarefas consideradas repetitivas, quem estava ali eram mulheres. Ada Lovelace, Grace Hopper, tantas outras. Até os anos 1980, cursos de informática eram cheios de mulheres.

Fotografia de um grupo de cerca de 20 jovens em uma escadaria. Pelo menos 12 dos jovens parecem ser mulheres. Imagine a minha surpresa ao ver a imagem acima, com a primeira turma de graduados no curso de Ciência da Computação do IME-USP, em 1974, na qual as mulheres eram a maioria. 40 anos depois, somos apenas 10%.

Foi quando a computação ganhou valor econômico que tudo mudou. A partir de 1984, os computadores pessoais começaram a ser divulgados como brinquedo masculino. Os videogames também. E de repente a lógica e a genialidade passaram a ser vistas como qualidades masculinas. A consequência que a gente vê até hoje: no Brasil, apenas 20% dos profissionais de TI são mulheres, segundo o IBGE.

Essa virada me deixa com uma sensação estranha: a área já foi feminina. Aí virou masculina. E isso prova que o perfil não é fixo. Ele muda. Se foi construído assim, também pode ser reconstruído.

Pra mim, o desafio central é justamente esse: quebrar a sensação de não-pertencimento. O estereótipo do nerd genial pode continuar existindo, mas não pode ser o único. Quando é o único, ele sufoca. Ele cria impostores. Ele afasta talentos. Diversificar a imagem do cientista da computação não é só questão de justiça – é questão de futuro da própria área. Quanto mais olhares diferentes, mais soluções criativas.

E volto ao ponto que me parece chave: o ensino médio. É ali que meninas decidem suas trajetórias. É ali que elas precisam ver que computação não é território exclusivo. Eu acredito de verdade que, se mudarmos a forma como apresentamos a área, podemos abrir portas que hoje parecem fechadas. Mais do que isso, podemos devolver à computação algo que ela já teve no início da sua história: as mulheres como protagonistas.

Referências